terça-feira, 30 de outubro de 2007

Entrevista com Murilo Hauser

Entrevista realizada pela continuísta Bruna Robassa
Carreira
1.Como começou o interesse por cinema

Meu interesse por cinema deve ter começado antes mesmo de eu nascer. Meu bisavô era musico, ele tocava no cinema mudo. Acabou comprando o cinema em que ele trabalhava, então a minha família sempre teve isso com imagem – meu avô filmando em super 8 enquanto eu crescia, passando filmes em 16mm para a família nas festas.

2.Quais as suas influências – cinematográficas, literárias etc

Bom, quanto aos cineastas que são inspiração pra mim, tem vários. Costumo pensar que a minha educação visual foi toda feita através do Kubrick. Ele foi o primeiro cineasta a fazer a minha cabeça, a me mostrar que o cinema podia ser muito mais do que ele normalmente é. Com seu rigor conceitual (e formal), ele criou obras imensas, com o poder de mudar não apenas o cinema mas, acima de tudo, as cabeças das pessoas. Com Woody Allen eu percebi, pela primeira vez, o que era marcar a cena com os atores; a humanidade dos personagens e sua pulsação humana, viva. O Bergman me mostrou como ser pessoal, como se expor tendo a arte como filtro. Tem o Eisenstein, que é um gênio, não só na montagem, como muita gente pensa, mas nos enquadramentos e no cinema como ferramenta histórica. O timming perfeito da comédia de Billy Wilder, as imagens lindas e góticas do Tim Burton, a poesia do Pasolini, do Tarkovski e do Antonioni.

3.A sua formação – instrução, família, amigos, coisas que gosta de fazer, inspiração...

Lembro de ter ido ao cinema a primeira vez muito pequeno, e de ver muitos filmes em casa, com meus pais. Dividia meu tempo entre o cinema e a locadora.Então quando eu decidi que ia fazer cinema, fazer disso a minha profissão, a decisão foi bem aceita pelos meus pais e fui sempre estimulado por todos.Depois de muito tempo brincando com a filmadora VHS em casa, e de estudar e trabalhar com fotografia por algum tempo, comecei com o cinema em 1999, quando entrei na Artcine; conheci algumas pessoas que também queriam fazer filmes e começamos a filmar. De lá pra cá aconteceu muita coisa, mas tem alguns eventos que eu queria destacar: primeiro a oficina de assistente de câmera com o Hugo no festival de cinema de Curitiba, que foi um dos meus primeiros contatos com câmeras de cinema. Depois uma oficina de direção de atores que eu participei na mostra de cinema de são paulo ministrada pelo diretor argentino Fernado Solanas. Ainda teve o curso de cinema com a Tizuka Yamazaki, na Fap, a master class com o Francis Ford Coppola, oficina de fotografia com o John Ward (que trabalhou com o Kubrick, Tim Burton, Luc Besson), a especialização em cinema, mostras e festivais, que também são parte da formação de um cineasta.

4.Quais os temas que mais trabalha nos filmes?

Acho difícil falar de temas nos filmes que produzi. Acho que cada filme é um filme, cada momento da nossa vida em que entramos em um processo de criação somos outros, as questões são diferentes e a maneira como estamos entendendo e nos relacionando com as nossas vidas são novas. Porém hoje, revendo os meus filmes, percebo meus interesses por coisas como isolamento, solidão, a comunicação e conexão entre as pessoas e entre as pessoas e o universo em volta delas; também a percepção sensorial do mundo, o espaço e o tempo, a memória, o tomar de decisões e os caminhos para os quais elas nos levam.

5.Filmografia (título, bitola, duração e ano de estréia de todos os filmes)

6.Carreira dos filmes – prêmios, críticas


Filmografia

- "Vende-se", 1999. BetaCam, 1min30seg. Roteiro e Direção. (Integra o acervo da escuela internacional de Cine e Television de Cuba. Festival imagem em 5 minutos, na Bahia)
- “Alice”, 1999. BetaCam, 2min. Roteiro, Direção e Câmera. (Festival imagem em 5 minutos, na Bahia)
- “cinira e a mochila”, 2000. BetaCam. Assistente de Direção e Composição de Trilha Sonora (melhor vídeo de ficção – Festival de Cinema e Vídeo de Curitiba)
- "minha mãe, minha filha, minha mãe.", 2000. BetaCam, 1min. Direção. (VII festival internacional de cine de Valdivia, Chile. 24 Tokio Vídeo Festival, Japão. 29 Festival de cine Huesca, Espanã. Prêmio ABC de cinematografia, 2001 São Paulo. Mostra do Filme Livre, CCBB Rio de Janeiro. Exibido no programa Zoom da TV Cultura.)
- "Insomnia", 2000. BetaCam, 1min. Roteiro e Direção.
- “Montanhas não são Elefantes”, 2001. BetaCam, 10min. Roteiro, Produção e Direção (Exibido na TV Cultura).
- “entre cão e lobo”, 2002. 35mm, 1min. Roteiro, Produção e Direção. (3° lugar no 1° Festival do Minuto de Curitiba, 2002, selecionado para o Lucky Strike Lab, 2002)
- “COCOON”, 2003. 35mm, 1min30seg. Direção, Produção e Montagem. (exibido na Quadrienal de Cenografia de Praga, República Checa, 2003 e na “Semana da Arte Paraná - Brasil em Córdoba” , Argentina)
- “Pandora”, 2004. 8mm. 3min. Direção. (Mostra do Filme Livre, CCBB Rio de Janeiro).
- “já estamos todos mortos”, 2004. Digital e 8mm. Direção, Roteiro, Produção e Montagem. (exibido no Curzon Cinema, Londres. Mostra Londrina de Cinema)
- "OUTUBRO", 2007 35mm. 15 min. Direção e Roteiro. (contemplado pelo edital municipal da Fundação Cultural de Curitiba)
– “entre silêncio e sombras”, 2007. 35mm. 6 min. Roteiro, Direção e Produção. Produzido pela Amazing Graphics Brasil, em Curitiba. (contemplado pelo edital de curta-metragem do gênero animação do Ministério da Cultura).

7.O que foi mais marcante em sua história profissional (pedir pra contar a história...)

Desde a época em que comecei a trabalhar com cinema, em 1999, me aproximei muito das artes cênicas também, criando vídeo projeções e trabalhando como diretor assistente em produções de teatro (A Vida é Cheia de Som e Fúria, Avenida Dropsie, Thom Pain Lady Grey) e óperas (O Castelo do Barba Azul, O Empresário, A Flauta Mágica). Essa experiência está sendo fundamental na minha formação, pelo trabalho com texto, com adaptações, com atores e com a agilidade de produção e resolução de problemas (tanto de produção quanto criativos) em tempo real.

8.Como definiria o seu estilo como diretor?

Não acho que eu já tenha um estilo definido como diretor. Sei do que gosto – planos longos e bem compostos, movimentos de câmera que se justificam emocionalmente, silêncios e muitos espaços abertos para interpretação – mas isso tudo pode se manifestar de diferentes formas, de acordo com o filme. Por exemplo, o último filme que lancei, “Outubro”, tem um tempo muito especial, muito estendido, diluído – as coisas acontecem e reverberam, como um eco em uma caverna. A edição deixa todo o espaço do mundo entre os planos, oferecendo muitas leituras diferentes. Já no trabalho que estou fazendo agora, a animação “entre silêncio e sombras”, o tempo é outro, com planos muito curtos e entrecortados, ritmados, como e um Allegro, uma partitura de semicolcheias. Mas a preocupação com o tempo, a intenção e a sensação despertada pelo plano continua lá. Então acho que teria que dizer que a minha característica como diretor é a preocupação da linguagem com o conceito da obra, uma certa rigidez artística que é fundamental para que eu possa entender e me relacionar com o processo de criação.

9.Como tem sido o seu modo de realizar filmes - produção, verba, recursos humanos (pedir para descrever como acontece o processo, desde a criação)

Estou trabalhando em produções com dinheiro público para os meus filmes há muito pouco tempo. Até 2004 produzi independentemente, sem verba pública alguma, negociando apoios e trabalhando com os amigos e parceiros de criação. Mas desde então já produzi trabalhos com apoio da prefeitura, da fundação cultural, do ministério da cultura e da lei rouanet. Atualmente estou fazendo um curta que ganhou um edital do Minc e em janeiro começo o próximo que será patrocinado pela Petrobrás.
Quanto ao processo de criação, normalmente começa com uma idéia, ou apenas uma sensação minha, que eu desenvolvo por algum tempo, até se tornar alguma coisa mais palpável – o que pode ser um roteiro propriamente dito, um projeto ou apenas um caminho. Depois da parte prática de montar o projeto e encaminhar para alguma lei ou edital, vem a fase em que convido algumas pessoas para me ajudar a desenvolver a idéia criar esse trabalho. Meus parceiros mais freqüentes são Denis Pedroso, Hugo Timm e Henrique Martins. Fazemos reuniões de criação e então a produção propriamente dita começa (ensaios, testes de elenco, produção de figurinos, contratação do resto da equipe). Mas o processo começa e termina sozinho, porque depois da produção vem a finalização de um filme, que leva ainda mais tempo e que, normalmente, eu acompanho sozinho. É um trabalho maravilhoso, um processo rico tanto profissional quanto pessoalmente.

10.Como são divulgados os seus filmes?
Não respondeu

11.De que forma as leis de incentivo, as escolas, a TV Educativa e a RPC, entre outros, têm ajudado a sua carreira?
Não respondeu

12.Sobre a questão técnica - poucas pessoas conseguem sobreviver de cinema no Paraná, portanto toda a equipe técnica acaba "fugindo" para a publicidade para sobreviver da sua profissão. Como é lidar com isso? Com quais os técnicos tem trabalhado mais frequentemente e o que significa.

Divido meu tempo trabalhando com o Cinema e Teatro. Não trabalho com publicidade há muitos anos, o que me deixa feliz. Hoje me sustento com minha profissão, como artista. Acho que é resultado de muito trabalho, dedicação total e incansável. Nos meus filmes conto com profissionais de todas as áreas: do cinema, da publicidade, designers, músicos, gente do teatro. O que importa é o comprometimento com a obra e com a vontade de fazer, de se entregar a um processo intenso e rigoroso. Meus parceiros mais freqüentes são Denis Pedroso, Hugo Timm e Henrique Martins.

13.E a formação de mão de obra – tem opinião formada sobre os cursos de cinema locais?
Não respondeu

14.É possível viver de cinema no Paraná? É só a questão financeira? Quais são as outras dificuldades? O que é necessário para que o profissional possa viver só de cinema?

Fazer cinema no Paraná é como fazer cinema em qualquer outro lugar – uma luta interna. O ambiente de produção e as condições de trabalho podem mudar, mas o que importa são as cabeças das pessoas, as idéias e as referencias. Precisamos falar mais de nós mesmos, “a importância do provincianismo na história da arte”.

15.Aponte o nome mais significativo para a história do cinema no Paraná (pessoa, instituição etc).

De Curitiba eu gosto muito do Fernando Severo, que foi meu primeiro professor de cinema. O Marcos Jorge também é um cara interessante, crescendo no cinema. Werner Schumann, com quem trabalhei e que é um dos meus padrinhos no cinema.
Hoje em dia os dois cineastas produzindo que eu mais admiro são o David Lynch, que me faz perder o sono, porque eu não consigo conceber que um filme como “estrada perdida” possa ser tão sensorial, tão interno; e a Lucrecia Martel, que faz filmes também muito pessoais, não lineares e sensoriais. E não tem como não citar o Godard, que é de uma geração que estudou muito antes de começar a produzir, e que revolucionou o cinema que a gente conhece hoje. Um artista que está sempre experimentando, pensando e produzindo, teorizando. Do cinema nacional, tem alguns caras incríveis: o Ruy Guerra, principalmente no filme “os cafajestes”, que é um dos meus preferidos. O Glauber, claro – “terra em transe” é cada vez melhor. O Júlio Bressane também é muito bom, sempre revolucionário. Walter Salles e Fernando Meirelles, Cláudio Assis e Karim Ainouz.
Acho que até hoje em dia, trabalhando com cinema há quase dez anos, eu aprendi só uma coisa, com Beckett (do teatro...):
“Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better.”
(Sempre tentei. Sempre falhei. Não importa. Tentar de novo. Falhar de novo. Falhar melhor.)

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